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Dom., maio
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Visita guiada ao Grande Hotel da Beira

Procure o chefe João, responsável pelo Hotel.

Viagem
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O Grande hotel era a jóia da coroa portuguesa. As senhoras da alta sociedade iam lá beber chá, organizavam-se bailes, jantares de gala, festas inesquecíveis. Hoje, já não tem o glamour dos outros tempos,

mas ainda é dos ex-libris turísticos da cidade da Beira.

 

Aqueles 12 mil metros quadrados parecem – e são – uma cidade dentro da cidade. Quase que assustam, vistos de fora. Um prédio a cair, centenas de pessoas às janelas, roupa pendurada, grupos a conversarem nos corredores. Tudo isso se vê da rua, sem sequer lá entrar. Os mais cépticos acreditarão que aquele é um antro de perigo, assaltos, gente ruim. Não sabemos quem lá mora, mas entrámos lá, de máquina fotográfica em punho e saímos, sem problemas. Sabe porquê? Porque hoje o Grande Hotel continua a ser um dos ex-libris turísticos da cidade, e até há visitas guiadas.

 

Procure o chefe João, responsável pelo Hotel. Peça-lhe para visitar o edíficio. Logo lhe perguntará quantas pessoas são, qual guia turístico profissional.

 

Em 2003, moravam ali mil pessoas. Em 2006, duas mil. Hoje, vivem mais de quatro mil pessoas. Tudo começou na guerra dos 16 anos, quando o hotel serviu de quartel às forças do Estado. Quando estes saíram, começou a entrar a população, cada vez mais. Hoje em dia todos os quartos estão ocupados, e, em vez de simples assoalhadas, viraram casas inteiras, com espaço para dormir, cozinhar e lavabos.

 

O hotel não tem água e essa é uma das principais queixas da população, que ali vive. Sim, os habitantes fazem queixas, porque aquela é a sua cidade. Vive-se ali, sem precisar de sair. Há bancas de carvão, legumes, refresco nos corredores, guardas nocturnos para desafiar assaltantes potenciais, grupos de limpeza das áreeas comuns, e até um grupo desportivo.

 

O chefe João chega a fazer a vez de juíz, qual secretário de bairro, para resolver problemas comunitários dentro do hotel. Sim, aquelas quatro mil pessoas vivem como querem e sobretudo – ainda que sem luz, sem água, nem esgotos – onde querem. Em 2004 a Associação Muçulmana da Beira ofereceu casas a 30 famílias. Aceitaram-nas, alugaram-nas, voltaram para o hotel.

 

Do passado até hoje

 

O Grande Hotel foi construído, em 1952, para ser um casino. Mas o antigo regime de Salazar não aprovava o jogo. Ficaram 122 quartos, uma boite e vários restaurantes. Nos anos 50, era sítio de eleição das damas da alta sociedade, na procura das últimas novidades da moda, e estância balnear de muitos zimbabueanos.

 

Ainda assim, sem casino, o hotel não chegava a ser rentável. Em 1960, passava só a manter a piscina, e os salões de baile e de banquetes a funcionar. Mesmo depois da independência, o glamour continuou, nomeadamente nas passagens de ano, sempre ali festejadas. Nos anos de  1980 a 1981, já a cave do hotel albergava prisioneiros políticos.

 

Na década de 80, Samora Machel pensou em implodi-lo, mas a decisão não deu em nada e os militares começaram a servir-se do hotel como residência e quartel. Foi então que entraram as populações, fugidas da guerra. O chão, os aros das janelas, as portas tudo foi usado como combustível. As paredes enegreceram com o fumo do carvão dos lumes acesos pelos corredores.

 

Hoje, as crianças brincam nas enormes escadarias. Nem sabendo, nem sonhando quem as desceu noutros tempos.

 

 

O Grande Hotel nunca foi nacionalizado, e ainda hoje, pertence à Entreposto. No fim da visita, dê algum dinheiro ao Chefe João. Afinal, visitou um monumento histórico.

 

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