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Plataforma digital empodera mulheres de Cabo Delgado

Cabo Delgado
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Onde estão as mulheres na construção do futuro de Cabo Delgado? Omnipresentes mas com uma voz ainda pouco audível. Foi para lhes dar voz e traçar caminhos para a paz que as investigadoras moçambicanas Tassiana Tomé e Catarina Trindade criaram a plataforma digital Muthiana.com que humaniza as vítimas do conflito e permite a articulação entre investigadores, organizações, activistas e público em geral.


Foi a partir da pesquisa intitulada “Passado, Presente e Futuro na Voz das Mulheres e Raparigas Afectadas pelo Conflito em Cabo Delgado: Uma Análise Feminista” que as investigadoras moçambicanas Tassiana Tomé e Catarina Trindade criaram a plataforma digital Muthiana.com. Tassiana Tomé é a nossa convidada e fala-nos sobre os objectivos, as histórias e as recomendações da plataforma.

RFI: O que é a plataforma digital Muthiana.com?

Tassiana Tomé, Co-fundadora da Muthiana.com: A plataforma digital Muthiana.com é uma plataforma virada para a questão da paz e das mulheres em Cabo Delgado e foi o resultado de uma pesquisa que foi feita sobre o impacto do conflito na província de Cabo Delgado, em particular nas mulheres e nas meninas. Desta pesquisa, sentimos a necessidade não só de divulgar o seu conteúdo - que também tem uma componente de histórias destas mulheres e o mapa das deslocações que estas mulheres fizeram em função do conflito - mas sentimos também necessidade de ampliar para que fosse um espaço vivo para repositório de outros documentos e estudos que estão a ser feitos. Para ir sendo alimentado com as vozes e histórias de mulheres e meninas que vão enfrentando o conflito e também para abordar toda a questão pós-conflito, todo o processo de recuperação e de busca pela paz.

Há as histórias, há o mapa das deslocações… Mas depois, concretamente, como é que esta plataforma pode ajudar ao empoderamento destas meninas e destas mulheres que sofrem na pele o conflito em Cabo Delgado?

Bem, há duas formas que a plataforma tenta fazer isso. Uma delas é partilhando um directório de várias organizações que estão a trabalhar para apoiar estas mulheres. As organizações que foram seleccionadas são organizações também elas lideradas, na sua maioria, por mulheres, mas não só. Então, este directório conecta quem tem interesse em conhecer mais sobre o conflito e saber como pode apoiar estas entidades que já estão a trabalhar em Cabo Delgado e nós favorecemos também organizações nacionais e organizações comunitárias de base.

Por outro lado, a plataforma também traz uma Carta em Defesa dos Direitos destas mulheres que é uma carta que pode ser assinada e cujo objectivo é ser submetida ao ministério do Interior e ao ministério de Género, Criança e Acção Social. É uma carta que traz as diferentes demandas destas mulheres, a partir das suas vozes, e também procura enfatizar a questão dos direitos das pessoas deslocadas pelo conflito.

O conflito em Cabo Delgado dura, pelo menos, desde 2017. O mundo pouco fala nos cerca de um milhão de deslocados de Cabo Delgado. Como é que este projecto pode ajudar a despertar as consciências, não apenas em Moçambique, mas além fronteiras?

A plataforma também tem o propósito de elucidar o público em geral sobre toda a questão do conflito, trazendo outros estudos, partilhando leis e políticas que, de alguma forma, protegem e defendem as pessoas em situação de deslocação forçada pelo conflito. Ao mesmo tempo, existe também a intenção de dar voz àquilo que inicialmente eram números e estatísticas. A ideia é humanizar estes números e trazer as vozes, as histórias, e perceber os quotidianos destas mulheres e meninas, as suas lutas e também as suas resiliências neste processo de reconstrução das suas vidas em situação ainda de insegurança. Acima de tudo é isto que a plataforma pretende fazer: é realmente transformar números em histórias de vida e dá-las a conhecer ao público em geral.

A pesquisa chama-se “Passado, Presente e Futuro na Voz das Mulheres e Raparigas Afectadas pelo Conflito em Cabo Delgado: Uma Análise Feminista”. Quais são as principais recomendações que vocês fazem?

As recomendações são viradas para o governo, para as agências internacionais e de resposta humanitária e para outras organizações que estão a trabalhar no processo de reconstrução e desenvolvimento. São recomendações que partem das perspectivas destas mulheres sobre as causas do conflito e também sobre os caminhos para a paz.

Uma das primeiras recomendações que as mulheres levantaram, e que foi unânime, é a necessidade de um caminho de diálogo para se chegar à paz porque, até ao momento, nós temos uma resposta militar ao conflito, mas não há uma estratégia de pacificação.

A outra grande recomendação é que não haja nenhuma estratégia ou programa de desenvolvimento e de reconstrução da província de Cabo Delgado pós-conflito sem a voz e a presença destas mulheres que não têm ocupado os espaços de tomada de decisão. A nível do país, nós temos um plano nacional de reconstrução da província de Cabo Delgado. Temos, também, um plano nacional de paz, mulher e segurança que terminou no ano passado e que agora vai ser renovado. É necessário que todos estes planos e programas que trazem acções muito concretas, reflictam as reais necessidades destas mulheres.

Outra recomendação é que toda esta deslocação forçada nas mulheres também afectou as comunidades hospedeiras, isto é, as comunidades que estavam a receber toda esta população. Nós estamos a falar de uma província de três milhões que teve quase um milhão de pessoas deslocadas. Isto significa que também estas comunidades devem ser assistidas porque há uma série de novos conflitos e novas tensões sociais que também estão a surgir em função de toda esta pressão demográfica e de toda esta deslocação forçada, desde a disputa por recursos naturais, a disputa por espaço de terra, a própria incapacidade dos serviços sociais básicos de saúde e de educação nos distritos que estão a ser os principais alvos de chegada e de acomodação destas pessoas de oferecerem ou de responderem a um número que cresceu exponencialmente.

A outra grande recomendação é que ainda há muita precariedade nos centros de acolhimento e a nível da própria gestão destes centros de acolhimento e das aldeias onde estão estas comunidades e as mulheres e as meninas com toda a vulnerabilidade que enfrentam, desde exploração sexual e outras formas de violência baseada no género.

Estamos a falar de mulheres e de meninas vítimas de deslocações forçadas e ainda mais vulneráveis por serem do sexo feminino. Vocês constataram no vosso estudo ter havido um aumento de violências sobre as mulheres?

Sim. É sempre um assunto bastante difícil e tabu. Curiosamente, muito mais facilmente elas falavam da violência brutal resultante dos ataques terroristas do que propriamente de outras formas de violência que estivessem a enfrentar. Foram relatados casos de situação de discriminação, situações de exploração sexual em troca de bens e em troca de donativos que deviam chegar a estas mulheres. Foram também relatadas situações de um aumento da questão da prostituição infantil. Há uma série de vulnerabilidades a diferentes formas de violência que foram exacerbadas.

Vocês também falam em “estratégias quotidianas de resistência e entreajuda”. Ou seja, no seio da comunidade de mulheres acabou por haver essa resistência e entreajuda?

Definitivamente. Eu acho que este é um ponto muito importante do trabalho: é que não coloca estas mulheres como apenas vítimas de uma situação de conflito altamente traumática, violenta e de grande perda material e humana, mas também as coloca e as observa como grandes agentes de transformação neste processo porque efectivamente estas mulheres são aquelas que estão a liderar e estão à frente da reconstituição da vida comunitária como um todo.

Elas são as principais responsáveis pela gestão do dia-a-dia, pela provisão de alimento nas comunidades, pela procura de espaço para cultivo, pela garantia de cuidado da população idosa, da população infantil, das crianças. Então, elas carregam múltiplos papéis e assumem também papéis de liderança a nível da comunidade e diferentes formas de entreajuda. Por exemplo, formas de poupança comunitária são um dos mecanismos que usam, mas também através de outras formas de cura, de coesão social em torno de cerimónias, em torno da dança, de momentos de convívio para alívio de trauma.

Contudo, também é importante destacar que outra grande recomendação é ligada precisamente ao fraco investimento em relação à questão de apoio psicossocial para alívio de trauma destas mulheres porque elas também tiveram um acréscimo de responsabilidades em função da perda dos seus pais, dos seus filhos, dos seus maridos. Tudo isso também gerou uma sobrecarga sobre elas.

Ao mesmo tempo que elas vão assumindo novos papéis que lhes concedem um novo poder, elas estão muito sobrecarregadas com todas estas responsabilidades. Isso tem como efeito, no dia-a-dia, de estarem mais vulneráveis a todos estes novos conflitos que vão surgindo porque muitos destes novos conflitos, sobretudo entre as comunidades deslocadas e as comunidades hospedeiras, recaem sobre a questão do acesso aos recursos naturais. Quem está à frente deste acesso aos recursos naturais são as mulheres porque são as mulheres que vão buscar lenha, são as mulheres que cultivam, são as mulheres que vão buscar água.

Então, no dia-a-dia, são elas que enfrentam estas disputas por água, por terra, pelo alimento. São elas que levam as crianças para o centro de saúde e sofrem a discriminação por serem pessoas deslocadas. Há todo um estigma também associado ao facto de elas serem mulheres deslocadas e existe a percepção de que foram os maridos delas que trouxeram a guerra, muitas vezes há essa percepção errónea. Então, dentro de todo esse cenário, elas têm estabelecido formas de resistir, de resiliência.

Também há coesão, solidariedade?

Apesar dessas novas tensões sociais, também é preciso destacar todo um movimento de solidariedade porque muitas pessoas, a grande maioria destas pessoas, foi assistida - muito mais do que por organizações ou agências humanitárias - foi assistida pelas próprias comunidades que foram recebendo nas suas casas estas pessoas.

Uma família que antes tinha 10 pessoas passou a abrigar 60 pessoas, passou a dividir a sua alimentação e o que tinha de alimento com outras famílias conhecidas e desconhecidas que iam chegando. Então, houve um movimento em massa de solidariedade. Muitos desses movimentos eram também liderados por mulheres que também iam recebendo as pessoas que estavam em fuga e em busca de segurança.

 

 

 

 

 

 

 


Fonte:da Redação e da RFI
Reeditado para:Noticias do Stop 2023
Outras fontes • AFP, AP, TASS, EBS
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